Caroline Monteiro ESPECIAL PARA O ESTADO
Troca de imóveis ganhou força ano passado. Negócio tem vantagens para vendedores e compradores, mas exige concessões.
A crise econômico impulsionou uma velha prática de mercado, mas pouco usada no setor imobiliário: a permuta. “As pessoas continuam com vontade de mudar de imóvel, mas, em tempos difíceis, preferem preservar o dinheiro guardado no banco ou simplesmente não tem caixa para investir em uma casa nova”, afirma o diretor comercial da imobiliária Coelho da Fonseca, André Souyoltgis.
É nesse cenário que esse tipo de transação ganha espaço. De acordo com ele, de 2015 até agora, o número de permuta de imóveis cresceu em razão da crise. “2016 foi o ano com o maior número de trocas em dez anos. Fizemos 2,5 vezes mais permutas em 2016 do que em 2015”, diz Souyoltgis, sem no entanto revelar os números dessas negociações. O negócio ficou tão em alta que a imobiliária Lello precisou criar um campo de busca novo em seu site. “Em agosto, com o número crescente de pedidos, decidimos inserir a opção ‘permuta’ no portal. Assim, quem procura uma casa nova para comprar já consegue saber quais vendedores aceitam outro imóvel em troca”, explica o diretor de vendas da Lello, Igor Freire. “Os proprietários estão mais flexíveis, porque sabem que se não aceitarem um imó- vel menor como parte do pagamento, podem ficar muito tempo esperando pelo comprador perfeito”, afirma.
Fernando Araujo Carneiro, de 33 anos, foi um dos que se beneficiaram com a maleabilidade dos vendedores. O eletricista queria sair do apartamento de dois quartos, sala e cozinha para morar em uma casa maior. Chegou a colocar seu imóvel à venda, mas ninguém queria pagar o valor que ele considerava ideal. Junto com a imobiliária, resolveu apostar na permuta. Encontrou um proprietário que não estava conseguindo vender a casa de R$ 500 mil. “Ele decidiu aceitar meu apartamento e meu carro em troca, porque pelo menos teria uma parte do dinheiro em mãos. Era melhor do que esperar mais tempo pela venda tradicional”, diz Carneiro.
O eletricista ainda obteve um financiamento imobiliário de R$ 200 mil para pagar o restante do valor. “Para a minha família foi excelente. Queríamos mudar para uma casa melhor, com mais quartos e outras facilidades, mas não tínhamos dinheiro nem crédito para isso. A permuta possibilitou a realização do sonho”, conta.
Dificuldades. – Nem sempre, porém, é fácil combinar a compra e venda dessa forma. Apesar de a crise ter facilitado a permuta, compradores, vendedores e corretores podem enfrentar alguns percalços no processo. “É difícil encontrar dois clientes que tenham desejos conciliáveis. O proprietário do imóvel de valor mais baixo precisa achar um outro dono que aceite aquela casa ou apartamento como está”, diz Freire.
A dica para a permuta dar certo é aceitar uma depreciação do valor de mercado. “Assim, o vendedor sabe que vai conseguir ganhar alguma coisa quando vender o apartamento que aceitou como parte de pagamento.” Segundo o CEO da Imobiliá- ria Mirantte, Luiz Carlos Kechichian, ele incentiva seus funcionários a conhecerem muito bem seus clientes. “Às vezes, um comprador precisa ir para uma casa maior, em um bairro mais afastado da cidade, porque a mãe ou a sogra vai se mudar para a residência dele. Então, o corretor pode oferecer a permuta para uma família, que ele saiba que deseja migrar para um apartamento pequeno porque os filhos saíram de casa, por exemplo.”
Motivos – Além da crise e de necessidades pessoais específicas, outras razões que fazem os clientes aceitarem as permutas são a vontade de se livrar de altas taxas condominiais ou IPTU. “Se o vendedor está com dificuldade de achar um comprador que pague em dinheiro a quantia total, é melhor aceitar a troca por um apartamento menor e gastar menos com condomínio e manutenção”, diz Freire. As permutas que, na verdade, funcionam como uma compra e venda dupla – são interessantes para as imobiliárias, porque garantem o pagamento de duas comissões, em cima do valor dos dois imóveis. “Por isso, é interessante que corretores se empenhem para realizar esse tipo de negócio”, diz Kechichian.
No entanto, é exatamente a comissão duplicada que pode atrapalhar algumas negociações. Como a pessoa que oferece um imóvel de menor valor como pagamento é, normalmente, a compradora, ela acredita que só a outra ponta é quem deve pagar comissão. “Ela não entende que, na verdade, também está vendendo o imóvel dela, e por isso, deve pagar pela intermediação imobiliária”, diz Freire. Para convencer os clientes, vale explicar que a permuta também tem vantagens tributárias. “Se a troca é feita entre imóveis de valores iguais, não há cobrança em cima do ganho de capital no imposto de renda; ou então só serão pagos o ganho de capital em cima da diferença entre os dois imóveis”, diz o advogado especialista em direito imobiliário, José Guilherme Siqueira Dias. Veja outras vantagens abaixo:
Velocidade para os dois: Quando um vendedor aceita permuta na negociação, ele pode se livrar mais rápido do imóvel. O mesmo vale para o comprador, que não precisa vender o bem antes de fazer nova aquisição.
Dinheiro no banco: Em vez de esperar muito tempo para vender um apartamento e continuar pagando condomínio e IPTU, por exemplo, o proprietário pode aceitar um imóvel de menor valor. Dessa forma, garante pelo menos uma parte em dinheiro e diminui os gastos com manutenção.
Imposto de renda: Com a permuta, o vendedor só tem ganho de capital em cima da diferença entre um imóvel e outro. Caso seja uma troca “taco a taco”, não há cobrança de imposto de renda em cima da venda.
Duas desvantagens Vendedor e comprador têm de concordar com a troca; e encontrar a combinação perfeita pode levar tempo. Além disso, é preciso que as duas pontas paguem a comissão da imobiliária.
Operação pode incluir outros itens além de imóvel
A troca de dois imóveis é o tipo de permuta mais comum nas imobiliárias. Mas outros itens também são aceitos – ou pelo menos oferecidos – como parte do pagamento. É o caso de automóveis e motos. “Quando o carro corresponde a uma parte pequena do valor total, os vendedores acabam aceitando”, diz o diretor de vendas da imobiliária Lello, Igor Freire. “É uma prática bem comum nas concessionárias: dar o carro usado como parcela do automóvel novo. Por isso, é comum acontecer na permuta imobiliária também”, diz o diretor comercial da Coelho da Fonseca, André Souyoltgis. O eletricista Fernando Carneiro ofereceu seu Chevrolet Onix 2014 como parte do pagamento do novo sobrado em Itaquera. “Precisava complementar o valor do apartamento, mas não poderia ser em dinheiro porque não conseguiria todo o financiamento pelo banco.” Souyoltgis, diz que é comum os clientes oferecem gado, joias, quadros, esculturas ou outras obras de arte e até avião. “Não são ofertas comuns, mas acontece. E tem gente que aceita.” Segundo o CEO da Imobiliária Mirantte, Luiz Carlos Kechichian, antigamente até linha telefônica era ofertada na compra de um imóvel. “Hoje, as tentativas mais inusitadas são de barras de ouro e títulos do Tesouro, mas é bem difícil dar certo uma permuta dessa.” No entanto, quando a troca envolve o uso desses bens para pagar um imóvel (em vez de imóvel por imóvel) as imobiliárias não podem cobrar comissão. “Como não é considerado intermediação imobiliária, não há comissão.”
Matéria veiculada no dia 05 de Fevereiro no Estado de São Paulo.